Nos últimos anos, o Brasil tem assistido a uma progressão no debate político em torno das questões femininas. Temas como assédio, aborto, maternidade e carreira vem sendo cada vez mais amplamente discutidos na sociedade e pautados politicamente.
Ainda assim, segundo o Inter-Parliamentary Union, organização internacional dos parlamentos dos Estados soberanos, o Brasil é um dos piores países em termos de representatividade feminina na política, ocupando o terceiro lugar na América Latina em menor representação parlamentar de mulheres. A nossa taxa é de aproximadamente 10 pontos percentuais a menos que a média global e está praticamente estabilizada desde a década de 1940. O que indica que, além de estarmos atrás de muitos países em relação à representatividade feminina, poucos avanços têm sido conquistados nas últimas décadas.
As mulheres, que no Brasil são maioria da população e do eleitorado, não alcançam 15% nos cargos eletivos do país. São exatos 12,32% em 70 mil cargos eletivos, segundo o Mapa da Política de 2019, elaborado pela Procuradoria da Mulher no Senado. Isso porque após os resultados das eleições de 2018, a primeira em que houve repasse de 30% do Fundo Eleitoral para candidaturas de mulheres, houve um aumento na representatividade feminina: de 10%, as mulheres passaram a ocupar 15% das cadeiras nas duas Casas Legislativas (Câmara e Senado). Apesar de ser um número relativamente baixo, esse pequeno aumento já fez uma grande diferença, visto que o Congresso assistiu ao boom de projetos de leis que visam garantir uma maior participação das mulheres na política, segundo levantamento do Elas no Congresso, plataforma de monitoramento legislativo da Revista AzMina.
A partir destes dados, é possível concluir que as mulheres não têm alcançado as esferas do poder público de maneira igualitária, ficando à margem, principalmente, dos processos de elaboração das políticas públicas. As mulheres não se encontram devidamente representadas no sistema político vigente.
Apesar de existirem as cotas eleitorais (lei que assegura uma porcentagem mínima de 30% e máxima de 70% a participação de determinado gênero em qualquer processo eleitoral vigente), esse mecanismo pouco tem contribuído para melhorar a atuação e para a chegada das mulheres aos cargos do governo brasileiro. Muitas das candidatas que se inscrevem na lista de cotas partidárias são consideradas candidatas laranjas, ou seja, são mulheres que não têm real interesse em pleitear um cargo político, estão ali apenas para cumprir o coeficiente necessário que os partidos devem ter para serem considerados legais no processo eleitoral. Algumas delas, inclusive, nem mesmo chegam a fazer campanha política e também não obtêm votos qualificados.
O caso do Amazonas não foge à regra nacional. Atualmente, segundo levantamento divulgado pelo Em Tempo, o estado conta com três prefeitas, quatro deputadas na Assembleia Legislativa e três vereadoras na Câmara Municipal de Manaus (CMM), números extremamente baixos quando pensamos na dimensão do estado e na quantidade de vagas.
No mandato atual da Aleam, cujas eleições aconteceram em 2018, quatro das 24 vagas são ocupadas por mulheres. Dos últimos quatro parlamentos, esse é o que tem mais representatividade feminina, mas ainda não se compara com a quantidade de homens no poder. A Dra. Mayara (PP), filha de Adail Pinheiro, ex-prefeito de Coari, foi a deputada mais votada com mais de 50 mil votos. De acordo com os dados do TSE, uma mulher no Amazonas jamais havia alcançado esse feito. As outras mulheres eleitas são Joana D’Arc (PR) e Professora Therezinha Ruiz (PSDB), que eram vereadoras, e Alessandra Campêlo (MDB), que foi reeleita.
Hoje, na Câmara Municipal de Manaus, são três vereadoras: Professora Jaqueline (PHS), Glória Carrate (PRP) e Mirtes Sales (PR). Em 2012, também haviam três vereadoras na Câmara: Rosi Matos (PT), Therezinha Ruiz (DEM) e Vilma Queiroz (PTC), além da vereadora Pastora Luciana, que era suplente.
Já no Congresso Nacional, o Amazonas contava com a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB) e na Câmara dos Deputados, Conceição Sampaio (PP). Mas, nas eleições de 2018, ambas não se reelegeram. Com o resultado, o estado não possui mais representantes femininas a nível federal.
Dentre os 62 municípios do Estado Amazonas, apenas três têm mulheres no comando da Prefeitura: Maria Lucir Santos, no município de Beruri, Denise de Farias, em Itapiranga, e Eliana Oliveira, prefeita de Pauini.
Apesar de a maioria dos estados brasileiros terem o mesmo histórico do Amazonas, também temos representantes mulheres que fizeram história e abriram caminho para a representatividade no país. Teresa Surita, que agora finaliza seu quinto mandato pela Prefeitura de Boa Vista com uma aprovação de cerca de 80%, é uma delas. Antes de ser eleita Prefeita, ela também foi Deputada Federal por Roraima, de 1990 a 1992.
“A política no Brasil é machista. Infelizmente transitamos num ambiente onde a mulher tem dificuldade em circular com facilidade. Muitas mulheres se tornam mais duras pela exigência que a política impõe. Eu sempre tive votações expressivas e sempre trabalhei no corpo a corpo com população para conquistar o voto e mostrar meu compromisso e responsabilidade. Tenho o apoio das pessoas e isso me faz forte. Nas últimas eleições, em 2016, tive 80% dos votos quando fui reeleita Prefeita para um 5º mandato. Acredito que a escolha do meu nome tem a ver com trabalho, confiança, resultados e com respostas e a efetividade de programas que criei e implantei, e que ajudam as pessoas a viver melhor. As mulheres têm mais dificuldade para conquistar seu espaço não só na política, mas em todas as esferas administrativas, públicas ou privadas. Acredito que a representatividade feminina na política pode crescer, mas ainda temos que caminhar muito para se ter um equilíbrio”, afirmou em entrevista ao Mercadizar.
Panorama mundo afora
Se, no Brasil, vivemos uma estagnação e representatividade mínima das mulheres na política, podemos nos espelhar e inspirar em exemplos mundo afora. Na Nova Zelândia, por exemplo, a primeira-ministra Jacinda Ardern. Eleita em 2017, com apenas 37 anos, ela chegou ao cargo mais importante do governo neozelandês com apenas três meses à frente do Partido Trabalhista.
Nesses quase três anos de mandato, ela ficou conhecida por levar sua filha de três meses a uma reunião da Organização das Nações Unidas (ONU) e virou exemplo por sua reação aos ataques terroristas contra as mesquitas de Christchurch, em março de 2019. Recentemente, ela voltou aos holofotes do mundo após o anúncio de que o país erradicou os casos ativos de Covid-19, o que não poderia ser feito sem sua gestão de crise bem sucedida.
As duras medidas tomadas pela premiê foram muito elogiadas e consideradas as principais responsáveis pelo sucesso na contenção da pandemia no país. Ao todo, foram sete semanas de isolamento social rígido: no dia 23 de março, Ardern anunciou que os 5 milhões de neozelandeses tinham 48 horas para se preparar para um bloqueio que excluiria apenas trabalhadores essenciais de uma quarentena obrigatória de quatro semanas. Nas últimas três semanas, ela já ensaiava pequenas flexibilizações, com brechas para caminhadas respeitando o distanciamento social.
Enquanto a desinformação e a ideologia pautaram as atitudes de um presidente sem poder de liderança no Brasil, os resultados na Nova Zelândia não poderiam ser mais claros: o país levou um mês para computar a primeira morte por Covid-19. Os bons resultados, porém, não fizeram o país relaxar o isolamento – pelo contrário: para erradicar o coronavírus, Ardern já deixou claro que pretende intensificar a quarentena. A primeira-ministra é seguramente uma das mais fortes referências para uma nova maneira de se governar.
Já os Estados Unidos, pode, a partir deste ano, ter a primeira Vice-Presidente mulher, o que seria um passo histórico para a “maior democracia do mundo”. Isso porque Joe Biden, candidato democrata nas eleições deste ano, escolheu a senadora californiana Kamala Harris, também do partido democrata, para ser sua vice na disputa contra Donald Trump. Com a indicação, ela se tornou a primeira mulher negra a integrar a chapa presidencial de um grande partido dos EUA.
Quais medidas incentivam a participação de mulheres na política?
Desde 2009, a Lei Eleitoral obriga os partidos a destinar 30% das candidaturas de coligações para cada gênero, a fim de estimular candidaturas femininas. No entanto, agora, essa porcentagem deversá ser aplicada a cada partido. Isso porque a Emenda Constitucional nº 97/2017 estabeleceu o fim das coligações partidárias nas eleições para cargos proporcionais a partir do pleito municipal de 2020. Com a medida, a luta para garantir mais espaço às mulheres na política ganhou um novo alento. Se antes o cumprimento da cota de gênero de 30% para as candidaturas se aplicava à coligação como um todo, agora ela se aplica a cada partido, individualmente. Com o fim das coligações, o TSE espera reduzir ocorrência das chamadas “candidaturas laranja”, fraude que ocorre quando mulheres são indicadas como candidatas pelos partidos políticos apenas para cumprir a cota, sem receber, de fato, os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC) a que têm direito e sem fazer campanha ou mesmo obter votos.
De acordo com o secretário Judiciário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Fernando Alencastro, a partir de 2020, as legendas deverão encaminhar à Justiça Eleitoral, juntamente com o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP), a lista de candidatas que concorrerão no pleito, respeitando-se o percentual mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. A regra está prevista no artigo 10, parágrafo 3º da Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições).
“Antes, a indicação de mulheres para participar das eleições era por coligação e, agora, será por partido. A mudança vai impactar principalmente o fomento à participação feminina na política, muito incentivado pela legislação. Agora, o partido não vai poder ter como escudo outros partidos para que, enquanto coligação, eles atingissem os 30%”, observa Alencastro.
Para as Eleições Municipais de 2020, a expectativa é que surjam mais candidaturas viáveis de mulheres e, da mesma forma, aumente o número de mandatárias eleitas nas 5.568 câmaras de vereadores que terão seus representantes renovados em novembro.
Como melhorar a representatividade das mulheres na política?
Diante desse cenário, algumas ações foram tomadas ao longo dos anos com a finalidade de contribuir para a inclusão e a representatividade das mulheres no meio público. Uma das ações que merece destaque é a Plataforma 50-50, lançada pelo Instituto Patrícia Galvão (IPG) em parceria com o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades da Universidade de Brasília (Demode/UnB), para as eleições municipais. O principal objetivo do projeto é contribuir para uma maior igualdade entre homens e mulheres no processo eleitoral. Para isso, os candidatos e candidatas assumem compromissos com a igualdade de gênero. A iniciativa também conta com a parceria do Tribunal Superior Eleitoral e da ONU Mulheres.
A Agenda 50-50 é um projeto que entende que as políticas públicas são primordiais para o exercício da igualdade de gênero e empoderamento das mulheres. Por isso, é necessário que homens e mulheres possam participar e contribuir para a elaboração dessas políticas. Apesar dos progressos feitos nos últimos anos em relação às questões dos direitos das mulheres, percebemos que na atuação política, ainda há muito que precisa ser feito. A tão desejada igualdade de gênero está em progresso e ações afirmativas como esta estimulam o debate e contribuem para que possamos reparar essa desigualdade construída historicamente.
Outro projeto louvável é o #ParticipaMulher, criado pela Comissão Gestora de Política de Gênero do TSE com o objetivo de promover o engajamento e incentivar o protagonismo feminino.
Vale destacar ainda que, mesmo com a importância das iniciativas, estas não se configuram como meio e fins únicos para a viabilização de mais mulheres na política. Para isso, é necessário que os políticos, os partidos e o Estado se comprometam com uma agenda mais igualitária e que a sociedade civil consiga estimular e, principalmente, exigir uma mudança nesse cenário.
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