Estudar fora do país é um sonho almejado por muitos jovens brasileiros que desejam ter uma experiência estudantil diferente através do contato com novas culturas, costumes e até idiomas. Segundo uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Agências e Intercâmbios (Belta), divulgada em abril de 2019, em 2018 cerca de 365 mil estudantes embarcaram para o exterior para fazer intercâmbio, representando um crescimento de 20,48% em relação ao ano anterior. Em 2020, tudo mudou com a pandemia do Covid-19. O turismo foi um dos setores mais afetados, as viagens estudantis internacionais também foram prejudicadas.
Experiências como a de um intercâmbio podem durar meses e dependem de um planejamento financeiro e logístico muito bem detalhado. Aqueles estudantes que já estavam fora do Brasil quando a pandemia foi anunciada foram surpreendidos com as drásticas mudanças, é o caso da Relações Públicas manauara Mariana Filizola, mestre pelo programa Digital Media and Education na University College London (UCL).
Mariana contou à Mercadizar que, quando os primeiros casos do Covid-19 surgiram, o vírus era muito associado a China e diversos estudantes chineses da universidade foram alvos de xenofobia. “Logo em seguida as coisas tomaram proporções maiores em Londres, de um jeito muito rápido: em uma semana estava tudo normal e na outra as aulas já estavam sendo remotas e os supermercados estavam um caos. Muitos dos meus colegas de bolsa voltaram pro Brasil e aí caiu a ficha de que a coisa era séria mesmo”, disse ela.
A situação não foi diferente para Cleice Oliveira, recém-formada no Master in International Business e Master in International Marketing na Hult International Business School, em Boston, nos Estados Unidos. De acordo com ela, na cidade estão localizadas algumas das mais renomadas universidades do mundo e os primeiros casos do novo coronavírus ocorreram após a realização de um grande evento acadêmico na cidade. Com isso, o governo do estado logo tomou inúmeras medidas, incluindo o fechamento das escolas, mas Cleice afirma que percebeu a gravidade do problema somente quando Harvard e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts encerraram as suas atividades.
“A minha faculdade encerrou também nessa época. A partir do dia 18 de março, o governo fechou tudo e todos ficaram de quarentena oficialmente. Na segunda semana do mês, todo mundo em Boston já estava usando máscara, luva, álcool em gel e também tivemos toque de recolher. Março e abril foram meses assustadores e bem tensos, pois os casos só aumentavam e tudo no mercado ficava cada vez mais caro. Eu ia no mercado num dia e no outro o mesmo produto estava dois ou três dólares a mais”, afirmou Cleice.
Longe da família, tanto Cleice quanto Mariana tiveram que lidar com o caos em meio à pandemia, estudos e a saudade. “A universidade disponibilizou apoio psicológico para quem precisasse e foi bastante flexível em relação a prazos com trabalhos. Minha dissertação, por exemplo, teve o prazo aumentado para um mês a mais”, contou Mariana. Para ela, a tensão aumentou ainda mais quando a situação da cidade de Manaus chegou aos jornais britânicos e, naquele momento, ela considerou voltar ao Brasil. No entanto, o incentivo dos seus pais foi imprescindível para que ela permanecesse em Londres.
Dessa forma, Mariana conta que teve um espaço mais tranquilo de estudo dentro do possível naquelas circunstâncias, além do acesso ao sistema de saúde público inglês, referência no mundo. “Acabei ficando e formando uma rede de apoio com os outros bolsistas que optaram por ficar também. Hoje, a gente é ainda mais amigo do que antes!”, disse ela.
Já Cleice explica que a universidade na qual estudava teve uma rápida adaptação online para aquele momento. Segundo ela, inúmeras reuniões virtuais com a turma foram feitas para que os alunos não tivessem nenhuma dúvida sobre o novo método de estudo, além de aconselhá-los da melhor forma a voltar ou não para os seus países de origem.
“A minha irmã é médica e meu pai está fazendo tratamento de saúde, então ambos são grupos de risco. Eu fiquei extremamente preocupada com isso.Às vezes eu ligava para minha irmã e ela estava muito sobrecarregada emocionalmente, foi muito difícil. Aqui em Boston tinha dias com mais de mil mortos e é complicado absorver isso. Eu fiquei muito sozinha. Eu queria muito ficar com a minha família, mas a chance de eu viajar e transmitir para eles era grande e eu preferi ficar. Depois as coisas foram melhorando, mas antes foi bem solitário e a ansiedade estava há mil. Nunca imaginei que isso iria acontecer na minha experiência de intercâmbio”, disse.
Estudando na Universidade do Porto, em Portugal, Clara Toledo, finalista do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), também optou por não voltar ao Brasil no meio de seu intercâmbio. Ela chegou à Portugal no início de fevereiro, pouco menos de um mês antes do primeiro caso confirmado no país, e suas aulas presenciais foram paralisadas oficialmente em 12 de março. Uma semana depois, as aulas foram retomadas online, através da plataforma da universidade. Em entrevista à Mercadizar, Clara contou que, apesar disso, tinha aula cinco vezes na semana e o cronograma permaneceu basicamente o mesmo, de forma que não houve prejuízos em relação ao conteúdo ministrado.
Como Cleice e Mariana, o mais difícil para Clara foi estar longe de sua família num momento como aquele. Para ela, foi o pior sentimento que aflorou durante o isolamento. Apesar disso, interromper o intercâmbio e voltar a terras brasileiras nunca foi uma opção.
“Mesmo com todos os medos e com tudo o que aconteceu, com a minha família longe, voltar ao Brasil nunca foi uma possibilidade. Chegar até aqui não foi fácil, então chegar no sonho e desistir no meio dele, não era uma opção pra mim. E ainda não é. Muitos amigos meus voltaram, estudantes brasileiros, europeus e de outras nacionalidades voltaram para seus países e para suas famílias”.
Enquanto a situação começa a se normalizar para Clara, a preocupação com os familiares e amigos no Brasil continua, e é quase impossível não comparar o enfrentamento dos dois países à pandemia. Portugal, que registrou oficialmente o primeiro caso em 02 de março, se tornou um modelo exemplar pela organização e pelas medidas eficazes enquanto os vizinhos eram atingidos em cheio pelo novo coronavírus.
Para a estudante, a população portuguesa foi fundamental. “Desde que a pandemia chegou a Portugal, os portugueses levaram a pandemia muito a sério. Antes mesmo de o governo decretar lockdown, as pessoas já estavam em casa. Foi muito bonito de ver o respeito que eles tinham pelas pessoas, principalmente pelos mais velhos. No início era disso que se tratava, todos em casa por eles. Demorou, mas as coisas melhoraram por aqui. É uma lição para o Brasil. Enquanto as coisas estão voltando ao normal por aqui, com os devidos cuidados, claro, as coisas ainda estão um caos no Brasil. Eu acredito que isso se deu muito pela forma como as pessoas agiram antes e durante o isolamento”, afirma.
Após o período de experiência e aprendizado em outros países, as três estudantes mantiveram seus planos, mesmo que com algumas alterações, e conseguiram finalizar seus programas. Cleice e Mariana já retornaram ao Brasil e Clara, que antes da pandemia voltaria em agosto, finalizará mais um semestre em Portugal.
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